quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Reforma da Previdência: minha visão das mudanças propostas ao RGPS

O Poder Executivo apresentou ao Congresso Nacional uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 287-2016), para fazer a chamada “reforma da previdência”. Esta PEC prevê mudanças radicais e pesadas para servidores públicos, militares e trabalhadores da iniciativa privada. Como sou especializado em iniciativa privada, vou me limitar, aqui, às mudanças apresentadas no chamado RGPS – Regime Geral de Previdência Social.
ANTES DE MAIS NADA: para quem já está recebendo benefícios não muda nada, ok? As mudanças são só para benefícios a serem concedidos depois que a PEC for aprovada (a título de curiosidade, em 1998 teve uma PEC dessas, e ela demorou quase um ano para ser aprovada. Trata-se da a famosa Emenda 20-1998).
Vamos conversar, aqui, benefício por benefício, ok? Vou partir da lista de benefícios existente no Art. 18 da Lei de Benefícios da Previdência Social, que diz:
Lei 8.213, Art. 18. O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações, devidas inclusive em razão de eventos decorrentes de acidente do trabalho, expressas em benefícios e serviços:
I - quanto ao segurado:
a) aposentadoria por invalidez;
b) aposentadoria por idade;
c) aposentadoria por tempo de contribuição;
d) aposentadoria especial;
e) auxílio-doença;
f) salário-família;
g) salário-maternidade;
h) auxílio-acidente;
II - quanto ao dependente:
a) pensão por morte;
b) auxílio-reclusão;
III - quanto ao segurado e dependente:
b) serviço social;
c) reabilitação profissional.
A PEC não mudou nada nos seguintes benefícios:
I - quanto ao segurado:
f) salário-família;
g) salário-maternidade;
h) auxílio-acidente;
III - quanto ao segurado e dependente:
b) serviço social;
c) reabilitação profissional.
Vamos, então, tratar do que sobrou. Vou colocar os benefícios em outra sequência aqui (não vou seguir a mesma ordem acima), ok? Estou separando em dois grupos: os benefícios por incapacidade (aqueles que precisam de uma incapacidade para o trabalho para serem concedidos) e os benefícios programáveis (não precisa ficar incapacitado).
Antes, deixa eu agradecer minha amiga Dra. Adriane Bramante, que me ajudou na corrigindo alguns detalhes.
Primeiro, os benefícios por incapacidade.
Auxílio-doença: A PEC fala em “incapacidade temporária para o trabalho”. Parece que não mudou nada, mas mudou o conceito – na verdade, o conceito foi corrigido – e isso poderá alterar todas as interpretações sobre o que é incapacidade temporária.
Valor: Pelo que se entende do texto, não houve nenhuma mudança. Ou seja, continua sendo 91% da média salarial.
Aposentadoria por Invalidez: Está sendo denominada “incapacidade permanente para o trabalho”. Também parece que não mudou nada, mas mudou o conceito, e isso poderá alterar todas as interpretações sobre o que é incapacidade permanente.
Valor: hoje a aposentadoria por invalidez é de 100% da média salarial. Agora ficou assim: se for decorrente de acidente do trabalho, continua sendo 100% da média. Caso contrário, será de 51%, mais 1% para cada ano completo de contribuição, até o máximo de 100%. Significa que se a pessoa trabalhou um ano e ficou inválida, a aposentadoria será apenas de 52% da média.
Pensão por Morte: Volta a regra de 1960: a pensão passará a ser dividida em pedaços. Serão: 50% de parcela familiar, fixa, mais 10% para cada dependente, até o máximo de 100%. À medida que o dependente vai deixando a condição de dependência, seus 10% acabam. Exemplo: Trabalhador morre, deixando esposa e um filho de 20 anos de idade. A pensão será de 70% (50% de parcela familiar, 10% da esposa e 10% do filho). A esposa vai receber de acordo com a idade (aquela tabela criada ano passado), e o filho até os 21 anos. Portanto, durante um ano a pensão será de 70%; quando o filho atingir os 21 anos, a pensão vai cair para 60%. Além disso, a pensão pode ter valor inferior a um salário mínimo. Imagine uma pessoa que consegue seu primeiro emprego, recebendo em média R$ 1.500,00 por mês, e tem apenas um filho menor como dependente. Trabalha dois anos, e num fim-de-semana (fora do trabalho) sofre um acidente e morre. Sua média salarial será de aproximadamente R$ 1.500,00, e uma aposentadoria por invalidez seria de um salário mínimo (a pensão é calculada a partir da aposentadoria por invalidez e esta, como vimos mais acima, será de apenas 52%. Como 52% de R$ 1.500,00 dá R$ 780,00, e a aposentadoria não pode ser menor que um salário mínimo, esta seria de R$ 880,00). A pensão será de 60% dos R$ 880,00, ou seja, R$ 528,00.
Auxílio-Reclusão: A Lei diz que este benefício segue as mesmas regras da pensão por morte. Logo, as mudanças acima se aplicam igualmente ao auxílio-reclusão.
Agora, vamos aos benefícios “programáveis”, que hoje são basicamente três: aposentadoria por idade, aposentadoria por tempo de contribuição, e aposentadoria especial. Cada um destes três possuem um conjunto de regras diferentes, o que daria uma lista enorme de opções. Por exemplo, só para pessoas com deficiência são pelo menos oito regras diferentes, dependendo da idade, do sexo, do grau de deficiência... Bem, vamos às mudanças.
Em primeiro lugar, para estes benefícios passamos a ter, praticamente, “dois INSS diferentes”: um para o grupo de pessoas que já tem uma certa idade, e outra para os mais novos. Vou chamar estes grupos de “experientes” e “inexperientes”. Por favor, não quero ofender ninguém, ok? É só para facilitar mesmo.
Quem são os experientes:
  • Trabalhador rural¹ com 45 anos de idade;
  • Trabalhadora rural¹ com 40 anos de idade;
  • Mulheres (não rurais) com 45 anos de idade;
  • Homens (não rurais) com 50 anos de idade.
Por exclusão, os inexperientes são os que ainda não atingiram as idades acima.
Primeiro, vamos tratar os “experientes” (tecnicamente, chamamos isso de “regra de transição”):
Aposentadoria por Idade: a idade continua a mesma de hoje, ou seja, 65 anos para o homem, 60 anos para a mulher, com redução de cinco anos em caso de trabalhadores rurais e segurados com deficiência. O que muda é o tempo de contribuição exigido: hoje é de 180 contribuições mensais (15 anos completos); agora, passa a ser estas mesmas 180 contribuições, mais um “pedágio” de 50% do tempo que falta para atingir 180 contribuições na data da Emenda. Consideremos um homem que, na data da publicação da Emenda, terá 52 anos de idade, com 13 anos completos de contribuição. Tem mais de 50, portanto é “experiente”; como faltam dois anos para completar o tempo mínimo de contribuição, ele terá que contribuir, no total, por 16 anos (os 15 anos que já são exigidos, mais um ano, que é metade dos dois anos que faltam).
Valor: A renda será de 51% da média, mais 1% para cada ano completo de contribuição (grupo de 12 contribuições). Portanto, para se aposentar com 100%, a pessoa terá que contribuir por 49 anos. No exemplo acima, se ele contribuir apenas os 16 anos requeridos, terá uma aposentadoria de 67% da média salarial (51 + 16 = 67).
Aposentadoria por Tempo de Contribuição: hoje, o homem tem que comprovar 35 anos de contribuição, e a mulher 30 anos – professores tem que comprovar cinco anos a menos, e pessoas com deficiência também tem o tempo reduzido conforme o grau de deficiência. Agora, estas pessoas terão que comprovar o mesmo tempo de contribuição, mais um pedágio de 50% do tempo que, na data da publicação da emenda, faltar para atingir estes tempos aí. Imagine uma mulher que, na data da emenda, terá 45 anos de idade e 24 anos de contribuição: para os 30 anos faltarão seis. Metade de seis é três. Portanto, ela terá que contribuir por 33 anos: os 30 anos exigidos hoje mais três do pedágio. Significa que ela terá direito à aposentadoria aos 54 anos de idade.
Valor: a regra é a mesma da aposentadoria por idade, ou seja, 51% da média, mais 1% para cada ano completo de contribuição. Usando o exemplo acima, a segurada vai contribuir por 33 anos, e terá uma renda de 84% da média (51 + 33 = 84). Pelas regras de hoje, o Fator Previdenciário ia derrubar a aposentadoria dela para 60% da média (aos 30 anos de contribuição), ou para 73% quando completasse os 33 anos de contribuição. Logo, a nova regra, apesar de demorar um pouco mais para se aposentar, dará uma renda mais vantajosa.
Aposentadoria Especial: Não tem regra específica para os “experientes”. Ou seja: se a pessoa já tem direito à aposentadoria especial, pode requerer e pronto. Se ainda não tem direito, vai direto para a regra dos “inexperientes”.
Vamos, então, às regras para os “inexperientes” (tecnicamente, chamamos isso de “regra permanente”):
Aposentadoria por Tempo de Contribuição e Aposentadoria por Idade: Passam a ser uma coisa só, e exigirão 65 anos de idade e 25 anos de contribuição para todo mundo, independentemente do sexo. Esta idade mínima vai aumentar toda vez que a expectativa de sobrevida subir um ano completo. Para pessoa com deficiência, a idade poderá ser reduzida em até 10 anos, e o tempo de contribuição em até cinco anos. Não tem mais exceção para professores nem para trabalhadores rurais: ou seja, tirando as pessoas com deficiência, todo o resto terá que ter 65 anos de idade e 25 anos de contribuição.
Valor: a renda será de 51% da média, mais 1% para cada ano completo de contribuição. Imaginando aquela pessoa que vai contribuir só o tempo mínimo (25 anos), a renda será de 76% da média (51 + 25 = 76). Para chegar a 100%, a pessoa terá que contar com 49 anos de contribuição. Imaginando aquela pessoa que começar contribuir aos 16 anos de idade, e nunca deixar de contribuir, chegará aos 65 anos com os 49 necessários de contribuição, e conseguirá aposentadoria integral. Só que a expectativa de vida continua aumentando... Ou seja, quando ele completar os 49 anos de contribuição, provavelmente a idade mínima terá aumentado, e ele não conseguirá se aposentar.
Aposentadoria Especial: A PEC só fala que para as pessoas “cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que efetivamente prejudiquem a saúde” a idade poderá ser reduzida em até 10 anos (ou seja, 55 anos de idade) e o tempo de contribuição poderá ser reduzido em até cinco anos (ou seja, mínimo de 20 anos de contribuição).
Valor: mesma história dos outros casos, 51% da média mais 1% para cada ano completo de contribuição. Pensando na pessoa que vai trabalhar 20 anos e, ao fim deste período, tiver os 55 de idade e a saúde prejudicada, terá 71% de aposentadoria (51 + 20 = 71).
De forma bem simples, esta é a proposta apresentada pelo Executivo.
A Câmara dos Deputados recebeu a Proposta, mas não há um prazo legal para avaliar, analisar, discutir e aprovar – ou não. Só a título de exemplo, a PEC 31/2007, que trata da reforma tributária, está lá – isso mesmo – desde 2007 sendo discutida. Ou seja, praticamente 10 anos de discussão. Uma das reformas feitas na previdência, em 1998 (Emenda nº 20), ficou quase um ano sendo discutida. O que isto significa? Significa que o Congresso pode fazer um esforço e aprovar rapidinho, mas também pode enrolar, deixar de lado, e a PEC ficar dormindo lá por 10 anos, como está a da Reforma Tributária.
É isso.
Um abraço, e até a próxima!

(¹) Empregado rural, contribuinte individual rural e trabalhador avulso rural.

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Carta ao Temer

13.05.2016.

Sr. Michel Temer,

Sei que o senhor é um constitucionalista respeitado, político experiente, e pelo menos temporariamente assume a presidência do Brasil.

Sei também que o Estado brasileiro está com suas finanças seriamente abaladas, o que já te levou a diminuir a quantidade de ministérios e propor drástica redução nos cargos comissionados.

Sei, ainda, que os especialistas em finanças e em economia insistem em dizer que a Previdência é o grande problema do país.

Sendo assim, gostaria de apenas lembra-lo de algumas coisas. Constitucionalista que é, vai entender facilmente o que estou a dizer.

O Art. 165 da Carga Magna diz que o poder executivo deve elaborar três orçamentos anuais: o Orçamento Fiscal, o Orçamento de Investimentos e o Orçamento da Seguridade Social. O Art. 195, por sua vez, esclarece o funcionamento deste terceiro orçamento, especificando suas receitas (contribuições dos trabalhadores; contribuições das empresas sobre folha de pagamento, faturamento e lucro; contribuições dos concursos de prognósticos; e imposto de importação); os artigos seguintes esclarecem onde tais receitas deverão ser investidas: em saúde, assistência social e previdência social.
Sr. Presidente, o Constituinte foi extremamente sábio ao estabelecer este orçamento SEPARADO dos demais orçamentos, justamente para garantir que estas três áreas não causassem qualquer impacto às finanças do Estado. Tem um orçamento separado, só para ela, que cobrirá todos os seus custos, e pronto. Entretanto, o Ministério da Fazenda com seu órgão arrecadador, a Receita Federal do Brasil, coloca toda a arrecadação tributária em uma única conta, gerando um único “resultado primário”, desobedecendo flagrantemente o que determinou nossa Lei Maior. Com isso fica fácil dizer que a previdência é o caos, pois se trata, talvez, da maior despesa desta conta única. Porém, esta “maior despesa” não pode ser jogada na conta única, pois ela tem um orçamento separado! E, de acordo com os auditores fiscais da RFB, através de sua entidade associativa ANFIP, demonstra que o Orçamento da Seguridade Social é e sempre foi superavitário. Só nos últimos três anos o superávit deste orçamento específico superou os R$ 200 bilhões¹! Logo, não se pode considerar a previdência como “o problema”, pois ela tem conta separada, não pode ser jogada na vala comum.

Sendo assim, Sr. Temer, este pacato cidadão gostaria de ver V. Exa. obedecendo a Constituição que prometeu respeitar em sua posse, determinando ao Ministro da Fazenda que separe estes orçamentos corretamente, e faça com que o Orçamento Fiscal seja superavitário, para não assaltar os cofres da seguridade social, como fizeram os governos anteriores.

Com meus cumprimentos, e desejando-lhe sucesso e êxito,

Professor Emerson Costa Lemes
Contador e Consultor Trabalhista e Previdenciarista
Membro-fundador do Observatório de Gestão Pública de Londrina
Tesoureiro e Diretor de TI do IBDP - Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário
1º Tesoureiro da APEPAR - Associação dos Peritos, Avaliadores, Mediadores, Conciliadores, Árbitros, Intérpretes e Interventores do Paraná
Autor da obra Atividades Concomitantes ou Simultâneas na Previdência Social: Regras e Teses Revisionais no RGPS (Juruá Editora, 2015).
Autor do Manual dos Cálculos Previdenciários: Benefícios e Revisões (Juruá Editora, 2016, 3ª edição).

Autor da obra Cálculos de Liquidação de Sentença Previdenciária (Juruá Editora, 2013).