terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Por que o reajuste dos benefícios previdenciários é menor do que o reajuste do Salário Mínimo?

Todo ano, quando acontece o reajuste do salário mínimo, ocorre também o reajuste dos benefícios previdenciários. E, como não poderia deixar de ser, a imprensa toda destaca a "defasagem" entre o reajuste dos benefícios e o reajuste do salário mínimo.

Mas, será que existe, mesmo, uma "defasagem"? Vamos entender melhor este negócio.

Esclarecimentos necessários: os valores aqui utilizados estão sendo atualizados pelo ICV/DIEESE, que é um índice inflacionário criado pelo DIEESE para atualizações de valores, que leva em consideração o custo de vida na cidade de São Paulo. Para melhor entender, recomendo a leitura deste site: http://www.portalbrasil.net/icv.htm. O mesmo DIEESE fez um estudo, em janeiro de 2011, atualizando os salários mínimos pelo ICV. Para fazer este post eu atualizei os valores até janeiro de 2012, pelo mesmo ICV, para poder incluir o salário mínimo atual. Assim, todos os valores citados abaixo referem-se aos salários mínimos de janeiro de cada ano, atualizados até janeiro de 2012 pelo ICV. Ex: o Salário Mínimo de janeiro de 1962 era pouco mais de 13 mil cruzeiros (Cr$ 13.440,00); atualizando para hoje pelo ICV, equivale a R$ 1.217,53. A exceção fica por conta do primeiro salário mínimo, de 1940, que se refere ao mês de julho daquele ano.

Quando Getúlio Vargas instituiu o salário mínimo no Brasil, em julho de 1940, ele valia 240 mil réis. Esta informação não significa nada hoje, pois não sabemos o que significava este valor; porém, quando atualizamos pelo ICV, descobrimos que 240 mil réis equivalem a R$ 1.275,69. Ôpa, mais que o dobro do atual salário mínimo! Isto quer dizer que quem recebia um salário mínimo em 1940 comprava o dobro do que uma pessoa que recebe um salário mínimo hoje.

Nos anos seguintes ao da sua criação, o salário mínimo foi perdendo valor, chegando a valer, em 1950, o equivalente, hoje, a R$ 521,88 (menos que nosso atual salário mínimo, que é R$ 622,00). Em 1952, com Getúlio de volta à presidência, o salário mínimo foi reajustado para o equivalente, hoje, a R$ 1.334,74. Isto me ajuda entender porque vovó Ophanda (minha avó materna) se orgulhava em dizer que era "Getulista"! Mas, a maior contribuição à valorização do salário mínimo foi dada por Juscelino Kubitschek: em 1958, ele valia o equivalente a R$ 1.477,73, e no ano seguinte, chegou a R$ 1.838,04, praticamente o triplo do valor atual! Isto também explica a adoração que o povão tinha por JK...

Nos governos Jânio Quadros e João Goulart o salário mínimo foi sendo reduzido: Jango foi considerado o primeiro presidente "trabalhista", porém o salário mínimo no final de seu governo era equivalente, hoje, a R$ 772,69, pouca coisa a mais do que o nosso atual salário mínimo. É, nem sempre os governantes "trabalhistas" valorizam o salário mínimo...

Durante a ditadura militar (1964-1984) o maior salário mínimo foi o de 1966 (R$ 906,51), e o menor foi o de 1976 (R$ 630,08). Foi caindo... É curioso que os atuais governantes, que tanto combateram a ditadura, sempre mantiveram o valor do salário mínimo abaixo do que aquele pago pelos governos militares! Não defendo ditaduras de forma nenhuma; mas este estudo mostra que os atuais governos não estão, assim, tão preocupados com os trabalhadores...

Quando a atual Constituição Federal foi promulgada (5.10.1988), firmou-se um entendimento pelo qual o Estado Brasileiro iniciaria uma política de valorização do salário mínimo, e desde então, quase todos os governos se esforçaram para que ele fosse aumentado. Ainda assim, no período de inflação galopante (até 1994) ele só caiu, chegando a valer, em 1994, metade do que valia em 1984, no fim do regime militar. Nos primeiros anos do Real o salário mínimo caiu mais anda, chegando em 1996 a valer R$ 282,42. A partir de então, ele começou a ser valorizado pelos governos: em 1998 ele valia R$ 298,04, em 2000 R$ 304,59, ano passado valia R$ 572,97 e hoje está em R$ 622,00.

Veja que desde 1996 o poder de compra do salário mínimo quase triplicou, indo de R$ 282,42 par R$ 622,00! Tudo bem que este valor ainda é inferior ao que pagaram os militares, e três vezes menor do que o que pagou JK; entretanto, ele vem ganhando poder de compra consideravelmente. Quem vivia com um salário mínimo em 1996 comprava três vezes menos do que quem vive com salário mínimo hoje.

Ok, e o que isso tudo tem a ver com os reajustes dos benefícios previdenciários?

A Constituição Federal dá a seguinte ordem:
Art. 201, § 4º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios definidos em lei.
O que isto significa? Preservar o valor real quer dizer o valor do benefício deve ser o suficiente para o segurado sempre poder comprar as mesmas coisas, ou seja, ter sempre o mesmo valor real. Se, na data do início do benefício o segurado conseguir comprar três cestas básicas, por exemplo, todo ano, ao ser reajustado, seu benefício deve comprar, novamente, três cestas básicas. Mas a Constituição fala a respeito de "critérios definidos em lei": então, leis federais definem o índice que será utilizado para corrigir os benefícios, de maneira que eles mantenham seu poder de compra. Atualmente, a Lei determina que este índice será o INPC, calculado pelo IBGE.

Portanto, anualmente, quando os benefícios da previdência são reajustados, eles voltam a ter o mesmo poder de compra da data em que foram concedidos. Isto significa que, apesar de parecer, os benefícios não tem nenhuma perda em seu valor: se a inflação come uma parte do benefício no decorrer do ano, na hora do reajuste este prejuízo é recuperado e o beneficiário volta a ter o poder de compra que tinha antes.

E a comparação com o salário mínimo?

Pois é... Como vimos antes, o salário mínimo aumenta o poder de compra, tanto que desde 1996 seu valor mais que dobrou; já os benefícios não devem "aumentar", e sim, apenas se "manter". Se o mesmo reajuste do salário mínimo for aplicado aos benefícios, o beneficiário receberá mais dinheiro do que é seu direito, tendo o que chamam de "enriquecimento ilícito". Sei que beira ao absurdo chamar isto de "enriquecer", mas o aumento do poder de compra representa, sim, uma forma de enriquecimento.

Os tribunais também entendem desta forma, veja este julgado recente do TRF4:

PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO. PRESERVAÇÃO DO VALOR REAL.
1. Segundo precedentes do STF e desta Corte, a preservação do valor real do benefício há que ser feita nos termos da lei, ou seja, de acordo com o critério por esta eleito para tal fim, consoante expressa autorização do legislador constituinte (art. 201, § 4º, CF/88).
2. O salário mínimo não é o indexador eleito pelo legislador para fins de fixação da renda mensal inicial e reajuste dos benefícios previdenciários.
(TRF da 4ª Região, Proc.: 0016381-61.2010.404.9999/RS, 5ª Turma, Rel.: Juíza Fed. CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, J. em 10/01/2012 D.E. 20/01/2012)

Simples assim: o salário mínimo NÃO É o indexador escolhido para reajustar benefícios.

Um abraço, e até a próxima!