sábado, 28 de abril de 2012

Auxílio-Reclusão (bolsa-bandido): um absurdo?

Há um bom tempo circula nas redes sociais um protesto sobre a bolsa-bandido - cujo nome correto é Auxílio-Reclusão. Inclusive um senador se propôs a "acabar com esta vergonha". Nos cursos de cálculos previdenciários que ministro Brasil afora sempre este tema vem à tona, e a discussão é acalorada. Sempre respondo às pessoas que mandam estes protestos explicando o que é, na verdade este benefício. Em duas situações fui hostilizado por quem protestou... É divertido! De todo modo, decidi fazer este post para desmistificar mais este tema.

O auxílio-reclusão é um benefício previdenciário. Como todo benefício previdenciário, só é pago se o titular for SEGURADO. Ser segurado significa estar pagando INSS¹. Via de regra, bandido não paga INSS, logo não é segurado. Não sendo segurado, não tem auxílio-reclusão.

Este benefício é devido aos dependentes do Segurado; logo, quem recebe não é o preso, e sim sua família. Mas, se o "bandido" não tem direito, para quem é isso?

Simples: o objetivo deste benefício é sustentar a família do TRABALHADOR que, por algum motivo, foi parar atrás das grades. Este TRABALHADOR paga INSS, que é um Seguro Social. Logo, ele está pagando um seguro para garantir uma renda quando ficar idoso (aposentadoria) ou garantir o sustento de sua família quando ele mesmo não puder fazê-lo, como por exemplo, ficar doente (auxílio-doença), ser preso (auxílio-reclusão), ou até mesmo vir a óbito (pensão por morte).

Ôpa, mais um esclarecimento: se este trabalhador pagou INSS, ele mesmo está custeando seu auxílio-reclusão. Ou seja, não é "o governo" quem paga, e sim, o próprio trabalhador.

Mas, existe ainda outra discussão: o valor do benefício. A última vez que recebi este protesto, ele dizia assim:


MENTIRA! Estes R$ 915,05 não é o valor que a família vai receber, e sim, é o teto do último salário que o trabalhador pode ter recebido para que sua família tenha direito.

Imaginemos a seguinte cena:

Sexta-feira, final da tarde, o gerente do banco encerra seu expediente, e vai com alguns colegas para um bar, beber algo e relaxar. Bebe mais do que deveria. De repente, acontece uma discussão, que evolui para uma briga; voam cadeiras e copos para lá e para cá, e num ímpeto de loucura, este gerente comete um assassinato. Ele é declarado culpado, e terá que pagar por isso, ficando preso por alguns anos.

Primeira pergunta: sua família tem culpa do crime que ele cometeu? É óbvio que não. Por que, então, seus filhos deverão morrer de fome, pelo fato do pai estar preso? Afinal, papai pagou um seguro (INSS) para que, em sua ausência, este mesmo seguro sustente sua família.

Segunda pergunta: sua família terá direito ao auxílio? Pasme: NÃO TERÁ! Por quê? Por que o salário de gerente de banco é superior a R$ 915,05; logo, por ele ter um bom salário, sua família não terá direito ao benefício.

Quem recebe isso, então? Este benefício é devido apenas às famílias de baixa renda, cujo chefe esteja em dia com o INSS, e porventura vá preso.

Qual é o valor recebido pela família? 

A Lei diz que o benefício será pago nas mesmas condições da pensão por morte, ou seja, será o mesmo valor que seria pago aos dependentes caso este trabalhador viesse a morrer.

Resumindo:

O benefício é devido à FAMÍLIA do TRABALHADOR de BAIXA RENDA que porventura venha a ser preso, e o valor será correspondente à média salarial deste trabalhador, desde que seu último salário não seja superior a R$ 915,05; Se seu último salário for maior que este valor, sua família não terá direito ao auxílio-reclusão.

Viu como não é tão absurdo assim?

Para encerrar: em minha adolescência conheci uma família que ia à mesma igreja que nós. A mãe era cozinheira, os filhos se viravam ajudando a mãe com pequenos trabalhos: o rapaz pintava paredes, uma das filhas era empregada doméstica, outra tinha emprego em uma empresa, com salário mínimo. O pai da família (já falecido) era assaltante de bancos. A família era sustentada pela mãe, pois tudo o que o pai conseguia com o crime gastava em drogas e prostituição. Nas ocasiões em que ele foi preso, a família não recebeu "bolsa-bandido" pois ele não pagava INSS. Faço a última pergunta, para você pensar: que culpa tinham sua esposa e filhos, por ele ser bandido? Eles deveriam ser condenados a morrer de fome por conta da "atividade" de seu pai?

Base legal:

Lei 8.213, Art. 18.  O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações, devidas inclusive em razão de eventos decorrentes de acidente do trabalho, expressas em benefícios e serviços:
(...)
II - quanto ao dependente:
(...)
b) auxílio-reclusão;
(...)

Art. 80. O auxílio-reclusão será devido, nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão, que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço.
PORTARIA MPS/MF Nº 02, DE 06 DE JANEIRO DE 2012, Art. 5º O auxílio-reclusão, a partir de 1º de janeiro de 2012, será devido aos dependentes do segurado cujo salário-de-contribuição seja igual ou inferior a R$ 915,05 (novecentos e quinze reais e cinco centavos), independentemente da quantidade de contratos e de atividades exercidas. 


Um abraço, e até a próxima!

(¹) Pagar, ou estar em período de graça - Lei 8.213, Art. 15.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Por que as aposentadorias do INSS tem valor tão baixo?

Exceto aquelas pessoas que vivem apenas com um salário mínimo, todos os demais, quando se aposentam, reclamam que o valor de seu benefício é muito baixo. É fatal: a pessoa compara o valor do benefício com seus últimos salários, e constata a redução gigantesca em sua renda. Consequentemente, fica indignado! "Que absurdo! Trabalhei tanto para receber esta mixaria!" "Terei que continuar trabalhando, porque esta aposentadoria não vai dar para nada!", são as principais reclamações que ouvimos destes recém-aposentados. O mais triste é que é difícil explicar para o segurado o que acontece: fica bem mais fácil dizer que o governo é ladrão mesmo, que tem muito roubo no INSS, e a desculpa mais esfarrapada de todas: que há um déficit enorme na Previdência Social (quem foi meu aluno sabe que este déficit é mentira).
Sei que não vou agradar à maioria com este post, mas ele é necessário, até para que a gente possa mostrar aos nossos clientes o que de fato acontece.
De princípio, precisamos entender que aposentadoria não é "bondade" do governo: nós PAGAMOS para depois receber, é um negócio de compra-e-venda. O que gera a aposentadoria não é o fato de se trabalhar determinado tempo, e sim o fato de se CONTRIBUIR determinado tempo. A Lei de Benefícios da Previdência Social começa com o seguinte texto: "Art. 1'º A Previdência Social, mediante contribuição...". Portanto,  a contribuição é o fato gerador da aposentadoria, e não o trabalho.
O aposentado, então, mudará sua reclamação e me dirá: "Eu contribuí durante quase 40 anos para receber esta mixaria de aposentadoria...". E eu pergunto: Você contribuiu com QUANTO?
Aqui está o segredo: como todos sabemos, dinheiro não dá em árvore, e também não se multiplica. Se você colocar uma moeda de 1 real no cofre, trancá-lo, e abri-lo um ano depois, continuará tendo apenas uma moeda de 1 real lá dentro; ou seja, o dinheiro não se reproduz sozinho. Se você coloca esta moedinha no cofre do INSS, ela também não vai se multiplicar: continuará sendo 1 real.
Vamos, então, pensar em uma situação bem simples: João passou 35 anos recebendo cinco salários mínimos, e contribuindo para a Previdência Social sobre estes cinco salários. Vamos fazer esta simulação com os valores de hoje, só para fins didáticos.
5 salários mínimos = R$ 622,00 x 5 = R$ 3.110,00. Esta é a renda mensal de João.
Ele sofre desconto de 11% sobre sua remuneração em favor do INSS: R$ 3.110,00 x 11% = R$ 342,10. Portanto, mensalmente ele paga ao INSS o valor de R$ 342,10.
Seu empregador, por sua vez, também contribui sobre o salário de João, com outros 20%: R$ 3.110,00 x 20% = R$ 622,00.
O total colocado no cofre do INSS, mensalmente, em nome de João, é de R$ 964,10 (R$ 342,10 + R$ 622,00).
Sabendo que o ano tem 12 meses, e que o 13º salário também tem desconto previdenciário, anualmente entra no cofre do INSS, em nome de João, o total de R$ 12.533,30 (R$ 964,10 x 13 meses).
Após exaustivos 35 anos de contribuição, entrará no cofre um total de R$ 438.665,50 (R$ 12.533,30 x 35 anos).
Consideremos que João se aposente aos 60 anos de idade. As estatísticas atuais apontam para uma expectativa aproximada de vida do brasileiro de 80 anos: portanto, ele ficará uns 20 anos recebendo sua tão merecida aposentadoria.
Vamos lá: ele acumulou no cofre R$ 438.665,50. Vamos dividir este valor pelos 20 anos que ficará recebendo: R$ 438.665,50 / 20 = R$ 21.933,28. Este é o valor que João poderá receber durante cada ano de sua 'sobrevida'. Sabendo que ele receberá 13 parcelas durante o ano (uma parcela em cada mês, mais o 13º Salário), teremos uma aposentadoria mensal de R$ 1.687,18 (R$ 21.933,28 / 13 parcelas).
Recapitulando: João recebe, trabalhando, cinco salários mínimos, o que dá R$ 3.110,00. Ao se aposentar receberá praticamente a metade disso, ou seja, R$ 1.687,18. "Um verdadeiro absurdo", dirá João. "Eu que trabalhei tanto, paguei tanto, vou ter que passar meus últimos anos com metade da minha renda!"
Porém, apurando o quanto ele PAGOU, o valor deixa de ser tão ruim...
Alguém vai reclamar que eu não apliquei juros neste dinheiro que ficou "parado no cofre do INSS". O problema é que este dinheiro não fica parado lá dentro: por causa de rombos provocados por roubos e desvios no passado (principalmente durante o regime militar), hoje o INSS funciona em regime de "repartição simples", ou seja, assim que o dinheiro entra no cofre, ele já é retirado para pagar os benefícios atuais. A isso dá-se, também, o nome de "pacto de gerações", ou seja, o dinheiro que nossa geração deposita no cofre é sacado para pagar as aposentadorias de nossos pais, e as nossas aposentadorias serão pagas pelo dinheiro que será depositado por nossos filhos.
Tem jeito de mudar isso? Sim: João deveria ter feito uma previdência privada, para complementar sua renda quando aposentado; assim, receberia do INSS estes R$ 1.687,18, e da previdência privada ele receberia o complemento, que lhe garantiria uma boa vida na aposentadoria. Porém, como a maioria dos brasileiros, João não fez isso... Que pena!
Um abraço, e até a próxima!

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Por que o reajuste dos benefícios previdenciários é menor do que o reajuste do Salário Mínimo?

Todo ano, quando acontece o reajuste do salário mínimo, ocorre também o reajuste dos benefícios previdenciários. E, como não poderia deixar de ser, a imprensa toda destaca a "defasagem" entre o reajuste dos benefícios e o reajuste do salário mínimo.

Mas, será que existe, mesmo, uma "defasagem"? Vamos entender melhor este negócio.

Esclarecimentos necessários: os valores aqui utilizados estão sendo atualizados pelo ICV/DIEESE, que é um índice inflacionário criado pelo DIEESE para atualizações de valores, que leva em consideração o custo de vida na cidade de São Paulo. Para melhor entender, recomendo a leitura deste site: http://www.portalbrasil.net/icv.htm. O mesmo DIEESE fez um estudo, em janeiro de 2011, atualizando os salários mínimos pelo ICV. Para fazer este post eu atualizei os valores até janeiro de 2012, pelo mesmo ICV, para poder incluir o salário mínimo atual. Assim, todos os valores citados abaixo referem-se aos salários mínimos de janeiro de cada ano, atualizados até janeiro de 2012 pelo ICV. Ex: o Salário Mínimo de janeiro de 1962 era pouco mais de 13 mil cruzeiros (Cr$ 13.440,00); atualizando para hoje pelo ICV, equivale a R$ 1.217,53. A exceção fica por conta do primeiro salário mínimo, de 1940, que se refere ao mês de julho daquele ano.

Quando Getúlio Vargas instituiu o salário mínimo no Brasil, em julho de 1940, ele valia 240 mil réis. Esta informação não significa nada hoje, pois não sabemos o que significava este valor; porém, quando atualizamos pelo ICV, descobrimos que 240 mil réis equivalem a R$ 1.275,69. Ôpa, mais que o dobro do atual salário mínimo! Isto quer dizer que quem recebia um salário mínimo em 1940 comprava o dobro do que uma pessoa que recebe um salário mínimo hoje.

Nos anos seguintes ao da sua criação, o salário mínimo foi perdendo valor, chegando a valer, em 1950, o equivalente, hoje, a R$ 521,88 (menos que nosso atual salário mínimo, que é R$ 622,00). Em 1952, com Getúlio de volta à presidência, o salário mínimo foi reajustado para o equivalente, hoje, a R$ 1.334,74. Isto me ajuda entender porque vovó Ophanda (minha avó materna) se orgulhava em dizer que era "Getulista"! Mas, a maior contribuição à valorização do salário mínimo foi dada por Juscelino Kubitschek: em 1958, ele valia o equivalente a R$ 1.477,73, e no ano seguinte, chegou a R$ 1.838,04, praticamente o triplo do valor atual! Isto também explica a adoração que o povão tinha por JK...

Nos governos Jânio Quadros e João Goulart o salário mínimo foi sendo reduzido: Jango foi considerado o primeiro presidente "trabalhista", porém o salário mínimo no final de seu governo era equivalente, hoje, a R$ 772,69, pouca coisa a mais do que o nosso atual salário mínimo. É, nem sempre os governantes "trabalhistas" valorizam o salário mínimo...

Durante a ditadura militar (1964-1984) o maior salário mínimo foi o de 1966 (R$ 906,51), e o menor foi o de 1976 (R$ 630,08). Foi caindo... É curioso que os atuais governantes, que tanto combateram a ditadura, sempre mantiveram o valor do salário mínimo abaixo do que aquele pago pelos governos militares! Não defendo ditaduras de forma nenhuma; mas este estudo mostra que os atuais governos não estão, assim, tão preocupados com os trabalhadores...

Quando a atual Constituição Federal foi promulgada (5.10.1988), firmou-se um entendimento pelo qual o Estado Brasileiro iniciaria uma política de valorização do salário mínimo, e desde então, quase todos os governos se esforçaram para que ele fosse aumentado. Ainda assim, no período de inflação galopante (até 1994) ele só caiu, chegando a valer, em 1994, metade do que valia em 1984, no fim do regime militar. Nos primeiros anos do Real o salário mínimo caiu mais anda, chegando em 1996 a valer R$ 282,42. A partir de então, ele começou a ser valorizado pelos governos: em 1998 ele valia R$ 298,04, em 2000 R$ 304,59, ano passado valia R$ 572,97 e hoje está em R$ 622,00.

Veja que desde 1996 o poder de compra do salário mínimo quase triplicou, indo de R$ 282,42 par R$ 622,00! Tudo bem que este valor ainda é inferior ao que pagaram os militares, e três vezes menor do que o que pagou JK; entretanto, ele vem ganhando poder de compra consideravelmente. Quem vivia com um salário mínimo em 1996 comprava três vezes menos do que quem vive com salário mínimo hoje.

Ok, e o que isso tudo tem a ver com os reajustes dos benefícios previdenciários?

A Constituição Federal dá a seguinte ordem:
Art. 201, § 4º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios definidos em lei.
O que isto significa? Preservar o valor real quer dizer o valor do benefício deve ser o suficiente para o segurado sempre poder comprar as mesmas coisas, ou seja, ter sempre o mesmo valor real. Se, na data do início do benefício o segurado conseguir comprar três cestas básicas, por exemplo, todo ano, ao ser reajustado, seu benefício deve comprar, novamente, três cestas básicas. Mas a Constituição fala a respeito de "critérios definidos em lei": então, leis federais definem o índice que será utilizado para corrigir os benefícios, de maneira que eles mantenham seu poder de compra. Atualmente, a Lei determina que este índice será o INPC, calculado pelo IBGE.

Portanto, anualmente, quando os benefícios da previdência são reajustados, eles voltam a ter o mesmo poder de compra da data em que foram concedidos. Isto significa que, apesar de parecer, os benefícios não tem nenhuma perda em seu valor: se a inflação come uma parte do benefício no decorrer do ano, na hora do reajuste este prejuízo é recuperado e o beneficiário volta a ter o poder de compra que tinha antes.

E a comparação com o salário mínimo?

Pois é... Como vimos antes, o salário mínimo aumenta o poder de compra, tanto que desde 1996 seu valor mais que dobrou; já os benefícios não devem "aumentar", e sim, apenas se "manter". Se o mesmo reajuste do salário mínimo for aplicado aos benefícios, o beneficiário receberá mais dinheiro do que é seu direito, tendo o que chamam de "enriquecimento ilícito". Sei que beira ao absurdo chamar isto de "enriquecer", mas o aumento do poder de compra representa, sim, uma forma de enriquecimento.

Os tribunais também entendem desta forma, veja este julgado recente do TRF4:

PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO. PRESERVAÇÃO DO VALOR REAL.
1. Segundo precedentes do STF e desta Corte, a preservação do valor real do benefício há que ser feita nos termos da lei, ou seja, de acordo com o critério por esta eleito para tal fim, consoante expressa autorização do legislador constituinte (art. 201, § 4º, CF/88).
2. O salário mínimo não é o indexador eleito pelo legislador para fins de fixação da renda mensal inicial e reajuste dos benefícios previdenciários.
(TRF da 4ª Região, Proc.: 0016381-61.2010.404.9999/RS, 5ª Turma, Rel.: Juíza Fed. CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, J. em 10/01/2012 D.E. 20/01/2012)

Simples assim: o salário mínimo NÃO É o indexador escolhido para reajustar benefícios.

Um abraço, e até a próxima!